Mário Fernandes
Universidade Lusófona *
Moçambique: Crescimento, Inflação e Revolta
A economia de Moçambique é, a par com a economia angolana, um destino de investimento para muitos empresários portugueses. As razões para que isso aconteça são, na verdade, bastante simples e claras. Moçambique goza de uma taxa de crescimento económico absolutamente incomparável face às economias europeias e internacionais. Poucos são os países que, de facto, conseguem obter taxas de crescimento a rondar as duas casas decimais, mais precisamente com taxas de crescimento de 12% em 2003. Nos últimos anos, mesmo em presença de uma desaceleração natural do crescimento da actividade económica, estas taxas têm sido o confirmar de um crescimento que se julga sustentado, sendo que nos últimos anos Moçambique tem crescido a 7% ao ano, sensivelmente, e em 2009, posteriormente à crise internacional de 2008, a economia moçambicana obteve uma evolução positiva de entre 4% a 5%, aproximadamente. Porém, não tem sido o crescimento da actividade económica, empresarial e industrial que tem sido o responsável por uma diminuição drástica nos níveis de desemprego. Muito pelo contrário. A principal questão social, a par com a proliferação da SIDA e da pobreza, é precisamente o desemprego. Esta questão está a ganhar especial ênfase, pois diversos organismos e instituições internacionais apontam para taxas de desemprego a rondar, aproximadamente, os 20%. Infelizmente, os dados do Ministério do Trabalho de Moçambique e do Instituto Nacional de Emprego e de Formação Profissional (INEFP) espelham a grave e séria questão do desemprego oculto, até porque só se encontram registados, nos centros de emprego do INEFP, cerca de 171000 desempregados, número este que não representa a dura realidade do mercado de trabalho moçambicano. Ao contrário do que muitas vezes se pensa, não é só a província de Maputo que goza de um maior foco das graves questões sociais, pelo que a problemática do desemprego é um problema nacional e não regional.
Fonte: INEFP e Ministério do Trabalho de Moçambique, 2008.
Outra questão, igualmente importante, passa por averiguar se, de facto, o crescimento moçambicano será capaz de impulsionar o desenvolvimento económico, social e humano que Moçambique tanto necessita. Dito de outra maneira, igualmente válida, resta saber se o desenvolvimento andará de mãos dadas com o crescimento económico. Um dos aspectos que vinha preocupando o Bando do Moçambique (BdM) era precisamente no sentido de apurar se o crescimento efectivo estaria a exceder o crescimento potencial da economia moçambicana, pois, num cenário macroeconómico desse tipo, a inflação poderia ser um sério problema para a economia moçambicana. Não seria um problema somente dos moçambicanos com menor poder de compra, mas seria sim um problema para todos os agentes e investidores, nacionais ou internacionais. Recorde-se que uma inflação mais elevada e incerta será um sinónimo de incerteza face às decisões de investimento, produção e de consumo dos agentes económicos. O BdM, desde a sua fundação e definição dos seus respectivos targets face aos agregados monetários, tem vindo a ter um cuidado especial no controlo da inflação. Por outro lado, esta inflação que é agora abordada, em torno da revolta social que se faz sentir principalmente em Maputo, resulta do aumento do preço de algumas matérias-primas, mais concretamente do petróleo. Com a escalada do preço dos produtos petrolíferos, as importações moçambicanas correm um risco real de ficarem bastante mais caras, pelo que isso se irá traduzir junto das populações, já de si bastante marcadas por um cenário de pobreza extrema. Para evitar uma proliferação do actual cenário de revolta social de Maputo para o resto das restantes províncias moçambicanas, o BdM, por exemplo, para fazer face ao aumento dos preços dos produtos importados, irá se responsabilizar pela compra de 550 milhões de dólares em produtos petrolíferos. Recorda-se, portanto, que este valor é em muito superior ao valor destes mesmos produtos importados, face ao ano anterior, em que estes custaram aproximadamente cerca de 320 milhões de dólares. A estratégia do BdM passa, assim, por aliviar o sistema financeiro, mais especificamente a banca comercial em Moçambique, para que esta tenha de financiar projectos que devolvam confiança aos investidores, em detrimento de financiarem as escaladas dos preços dos produtos importados. Apesar desta rápida medida, anunciada pelo Banco Central de Moçambique, o desespero das populações com menores rendimentos fez-se sentir de imediato, principalmente em Maputo, até porque a inflação em torno dos produtos primários chegou a atingir os 7%, o que representa uma oscilação bastante penosa para a maioria daqueles que não têm o seu posto de trabalho, nem rendimentos que permitam sobreviver com esta escalada de preços. Para além destas duas questões (em torno da inflação e das consequências sociais), a divisa moçambicana, o metical, encontra-se numa trajectória de depreciação cambial, o que, em conjunto com o aumento do preço dos combustíveis, poderá resultar num agravamento real de maior magnitude. Neste sentido, a palavra-chave, do ponto de vista estrutural, poderá e deverá ser a criação de postos de trabalho, que atribuam, portanto, rendimentos necessários para a aquisição dos bens principais e de uma melhoria na qualidade de vida e do bem-estar social. Nesta matéria, mais uma vez, tal como acontece noutros países menos avançados, a principal barreira prende-se com uma tremenda falta de formação profissional e de baixos índices de escolaridade. Segundo o próprio Ministério do Trabalho de Moçambique, quase cerca de 14% da população não tem qualquer tipo nível de ensino e que 43% somente frequentou o ensino primário de 1º e 2º grau. Estas estatísticas demonstram, portanto, uma das principais razões para o elevado desemprego. A economia moçambicana é, nos dias de hoje, um excelente caso de estudo, na medida em que demonstra, de forma vincada, que o crescimento económico nas últimas décadas não se tem traduzido em desenvolvimento. O próprio conceito de crescimento sustentado também poderá ser enquadrado na economia moçambicana, pois um crescimento superior àquilo que são os fundamentais da economia explicam, de certa forma, o aumento das desigualdades entre o preço dos bens e os rendimentos dos mais pobres, o que é ainda mais grave quando se presencia um cenário de aumento dos produtos petrolíferos. Porém, uma palavra de esperança para Moçambique, que julgo voltar a ganhar, rapidamente, a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros.
* Investigador do Observatório Lusófona de Actividades Económicas (OLAE) - Centro de Investigação da Universidade Lusófona